sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Conselho de lobo em pele de cordeiro



Há dois comerciais de uma rede de cartão passando na TV aberta que deveriam ser “engraçados”, mas a meu ver são revoltantes. Eu cheguei mesmo a pensar que eu devo ser mesmo muito, muito chata e cricri para não gostar deles. Devo ser insuportável de não me suportar para não rir, achar graça. Mas no fundo acho mesmo que o motivo para não gostar deles é que “entendi a mensagem subliminar”, e me achei sendo “tirada de otária”.


No primeiro comercial um homem possui uma cor de cabelo vermelha bem chamativa, e está em uma loja comprando outra coloração no mesmo tom. A moça no caixa na hora de receber o pagamento, olha a cor da coloração que o homem escolheu que é a mesma do cabelo e não fala nada, e só ao ver que ele vai pagar em dinheiro que pergunta se pode lhe dar um conselho, como se quisesse muito ajudá-lo, e quando ele consente ela diz: “Pagar com cartão é bem melhor!”


O primeiro comercial não me incomodou muito, pois já vi outras pessoas na rua usando aquele “tom vermelho” no cabelo, até mesmo na TV já vi, em pessoas fashion. E não é de estranhar também que qualquer dia desses você se cruze comigo na rua, e eu esteja usando um cabelo verde piscina ou azul royal. Pintar os cabelos assim é um sonho de adolescente, do qual às vezes me lembro, mas me controlo e acabo ficando com tons de amarelo e vermelho vinho, mais discretos. Por conta disso, achei de muito “bom tom” o respeito com que a atendente agiu com o homem de cabelo vermelho incandescente, tratando-o de forma natural. Viva a livre expressão! A originalidade! Hip hip, urra!”


Essa minha alegria acabou no segundo comercial, que mostrava um rapaz na floricultura comprando flores para a namorada. Ele estava muito feliz porque ela estava chegando de viagem, e por isso ele comprou o maior buquê de flores que viu. Ideia ótima, não? O problema é que o “maior buque” era uma “coroa de flores”. Se você não sabe o que é uma coroa de flores, ela parece uma guirlanda de Natal, aquela roda que colocamos para enfeitar a porta no fim do ano. A diferença é que a coroa de flores é de flores, claro, e muito, muito maior. Nós a mandamos no velório ou enterro para homenagear defunto. Ela possui uma faixa em seu entorno, onde há uma mensagem bonita como “Descanse em paz! Nossa eterna gratidão e saudade!” e por aí vai.


No comercial o rapaz todo animado porque reencontrará a namorada, fala para a moça no caixa sobre a bela surpresa que faria para ela, mostrando a coroa de flores. A moça do caixa olha e não fala nada, e só quando ele começa a contar o dinheiro para pagá-la, é que com muita delicadeza ela pergunta se pode lhe dar um conselho. Quando o rapaz consente e ela diz: “Pagar com cartão é bem melhor!”


Que moça filha da puta! O rapaz vai se ferrar, porque por mais que a namorada leve na esportiva o engano, receber em vida uma coroa de flores é muito chato. Isso parece mau agouro, até mesmo ameaça. Se você mandar uma coroa de flores para uma pessoa viva, ainda mais se haver um clima estranho entre vocês, ela pode até fazer um boletim de ocorrência contra você, alegando que você ameaça a sua integridade física. Infelizmente a decepção e o mal estar que aquele engano causaria, não interessavam a quem patrocinava o comercial que deveria promover o cartão. O que interessava é que “custe o que custar”, o rapaz usa-se o cartão, para dar lucro a sua administradora. Será que eu interpreto assim o comercial porque sou neurótica? Militante anti-capitalismo? Mal amada ou desocupada?


Essa mocinha que fica no caixa no comercial para mim é diabólica. Pior que amigo da onça, ela é a “própria voz do mal”. Isso porque ela percebe o engano que a pessoa cometeu, e não faz nada para ajudá-la. Ela deixa a pessoa se ferrar, rolar ladeira abaixo. E pior, ainda induz a pessoa a usar “dinheiro de plástico”, que tem juros, taxas. Para muitas pessoas cartão em vez de ajudar é um atraso de vida, pois elas acabam gastando mais do que possuem em dinheiro para encher os bolsos. Elas começam a comprar e se descontrolam, e quando se dão conta, estão atolados em dívidas até o pescoço, mal conseguindo respirar. Acabam usando todo pagamento só para pagar juros, e a divida nunca é quitada.


Resumindo: O comercial demonstra o que o capitalismo faz. Cria uma sociedade consumista que nos induz a adquirir seus produtos, mesmo que não precisemos deles, só para garantir o lucro das empresas e seus donos (no caso do comercial, as pessoas que pagam suas contas normalmente com dinheiro, são induzidas a adquirirem um cartão de crédito ou débito) pouco se importado com o consumidor e seu bem estar (no comercial, tanto o homem com o cabelo escandaloso e o rapaz que compra uma coroa de flores, não são alertados sobre o engano). O comercial deixa bem claro que quem vai sair lucrando ou os donos do capital (no comercial a administradora do cartão) querem mais é que a gente se dane, desde que seus lucros estejam garantidos.


A moça do comercial tinha uma voz tão doce... Mas era um lobo em pele de cordeiro.


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